dimanche 6 juin 2010

Anzol de Vô


- Carambolas guardam estrelas do mar.
- Como assim, Vô?
Então,cortou o topo da carambola amarelada e me mostrou uma pequena estrela - coisa do vô, pensei e no seu colo, meu pensamento todo carambolava. Ele dizia que era por isso que seus cabelos enrolavam nas pontas dos fios:
- É anzol pra pensamento,Bia. Vovô precisa dele pra não deixar nenhum escapolir. Pensamento dana pra fugir mas os meus ficam presos aqui - e apontava pras pontas dos fios, arrancando deles o pensamento mais  comprido. Eu não tinha anzóis e as idéias desciam pelos meus fios-escorrega, se divertindo. Vovô achava que idéia era pra ser livre mas dizia que se escorregasse rápido assim, ela desexiste.
- Desexiste,vô?
- É. - e da estante pegou um livro,esse eu nunca tinha visto na prateleira. Abriu em qualquer página e disse:
- Bia, lê essa história pro vô?
- Mas aqui nada tá escrito!
 E ele riu , tentando enrolar as pontas dos meus fios.
- O ar é pintado de que cor?
- Azul- disse convicta.
- Também, Bia. O ar é pintado do que respira e da mesma cor é o vazio.Por isso, neste livro em branco o Tudo está escrito.
 Por que será que vovô sempre me conta coisas esquisitas? - pensei.
Vovô abriu o livro novamente em qualquer das páginas do seu vazio e dele, brotaram  palavras infinitas. Minha cabeça girava, vovô e eu no meio daquela multidão de palavras, pensei em fugirmos pra outro Nada mas... o que adiantaria? Todo Vazio era tão tumultuadamente preenchido!
-Já sei!- disse e todas as palavras me olharam.
 - Era uma vez...- gritei em meio ao tumulto delas.
As palavras,então, foram me seguindo e, assim,o em branco ia desexistindo...


Juliana Gelmini
co-autor: o Vazio

mardi 1 juin 2010

Beatriz


Beatriz olhava fixamente para um formigueiro. Imaginava as formigas andando em skates–bandeids e dormindo em travesseiros-saquinhos de chá.


- Aonde estou?
- Dentro dos seus pensamentos.
-... como faço para sair daqui?
- e eu sei lá.
- Quem é você?
-Você.
- que isso! Ta doida?
- Esqueceu que você tá perdida dentro de você mesma, nos seus pensamentos?
- E agora?
- pergunta pra mim?
-E para quem que você acha que vou perguntar? Só tem eu aqui dentro!
- Claro que não! Você nunca se perdeu em pensamento antes? Sabe aquela história que a gente aprende sobre fronteiras? Essa palavra não existe do lado de cá.
- Como assim?
- Pensa em qualquer coisa agora.

Beatriz se lembrou das formigas com seus travesseiros de saquinho de chá e, subitamente, na sua frente, lá estavam.

- Ah, mas isso é apenas pensamento.

Então, uma formiga acordada andou até Beatriz e disse:

- Que negócio é esse de colocar a gente pra dormir com travesseiro? – e lhe mordeu.

- Isso não é pensamento, é real!
- e você não sabia?
- do que?
- que os pensamentos existem.
-Saber eu sabia, mas não que eram assim com corpo, voz e tudo.
- Mas são. O que você pensar: aparece, vive e respira.
- Não é verdade. Se eu pensar num rádio, ele não vive.

Foi quando um rádio passou voando lhe acenando de longe.


Beatriz estatelou.

- Que isso! Mas eu não pensei nisso.
- Esse ai fui eu quem pensou, desculpa, era só para me divertir um pouco, às vezes, é preciso. Mas não se preocupe, era um pensamento de vôo. Aqui dentro tem muitos caminhos, tenha cautela para não se perder nos lados mais movediços.
- Por que diz isso?
- Quando a gente se perde no pensamento, ele nos leva para onde quiser.
- Você fala como se ele tivesse vida.
- E não tem?
- Mas sou eu que dou vida a ele.
- Mais ou menos. Depois que nasce, o pensamento cresce e você não pode saber o destino dele.

Beatriz olhou o formigueiro que antes tinha imaginado e percebeu que tinha se tornado um bolo. Pegou um pedaço...

- Cuidado, é perigoso comer isso.
- Por quê?
- Porque não foi você quem o pensou, foi invenção do seu pensamento depois que o criou. Aqui, Beatriz, é território sem fronteiras, lembra? Tudo que pensa, brota, mas o destino do que brota não é seu, é dele mesmo...

Beatriz ignorando as palavras, comeu o bolo.
Sentiu-se estranha.
Fechou os olhos.
Então, realmente, acordou.



Juliana Gelmini
(co-autores: Beatriz e ela mesma, formigas e rádio voador)