dimanche 29 janvier 2012

O encontro

Sentada na pequena mesa da rua de Botafogo, a ansiedade me invade. De repente, me acomete que ela também poderia estar. Em meio a tantas pernas, seus passos estalariam no chão, seu cheiro se enrolaria em meus fios numa dança secreta apenas visível para nós duas. Poderia ser aquela senhora mais ao longe, com seus tons alaranjados de quem é etérea e toca na plenitude da alma do ser,não, não era ela. E se fosse, reconheceria meus olhos presos neste corpo que agora parece-me outro apesar de todos o apontarem como meu? Conseguiria salvar, em meio a tantas linhas que se delinearam outras, o modo como respiro e como meu coração plana? Ela sabe o modo como meu coração plana: nos mesmos acordes que os seus, como uma música oculta do mundo externo que apenas sob a camada do nosso amor se tornava linguagem compreensível. Eu sei o que meu silêncio lê, o meu silêncio lê o seu amor, vó. E um entregar-se ao teu colo até adormecermos assim no sonho uma da outra, conscientes de pertencermos ao mesmo mundo.



                                                                             Para minha avó.
                                                                             (janeiro de 2009)

samedi 28 janvier 2012

trilha de trem

A música abre os salões aos poucos como se nunca houvesse portas, corro por todas as palavras que dançam sobre os corredores, rindo como insanas, mãos dadas a cada nuvem, ouço agora o teu coração, meus pés sentem calmamente o não que guardou ontem em baixo do pouco troco. Aquele já mofado em cima da cadeira, enfeita a tarde de um podre azul, aquela voz de novo em meus dedos, como me livrar dos gritos dos finais de anos que nunca esteve? Vestidos lilases acenam das varandas que nunca pude visitar, enfeiam a cidade de seu luto oculto, passeio agora por todas as tuas lãs, escolhidas a fio para mim, me rebubino então, ainda embolada como as antigas fitas, enfio o lápis cego em meu corpo para desembolar as cordas, as cordas todas que tanto me cegam, as cordas que olham para o céu azul, para o sol no canto dos lábios, as cordas que apontam teus traços, os borrões de risos entre as nossas mãos dadas no final de tarde em lugares estranhos como Bolívia, eu quero a vida, na trilha de trem, com o barulho dele vindo da ilusão.







Sur le fil - Amélie Soundtrack

jeudi 26 janvier 2012

Primeira vez



Pedro agitou cada fio de pensamento para inventar jeito de tocar música novamente dentro do coração de Lúcia, ela como se dançasse para sempre, por dentro, agora mais parecia de asfalto ou engarrafamento, Lúcia sofria de alma encolhida, epidemia dos últimos tempos, essa doença não dava por mosquito ou espirro, era quase invisível, menos aos meninos poetas como Pedro que, naquela manhã, despertou em palavras uma flor feita de fios de vento. Nem assim Lúcia reparou. Pedro agitou mais pensamentos, sacudiu da orelha um cometa inteiro, nada adiantou. Pedro, então, deu um passo para frente do medo e ficou tão perto da menina que sentiu como uma a respiração dos dois. A música,então, tocou, como se dançassem para sempre, exatamente como na primeira vez.

dimanche 22 janvier 2012

As janelas que não existem invadidas de pássaros,
teus.

Águo

Faltam dois dias para você me conhecer.

Lembra do que a gente combinou:
você se sentará na sala de música,
fechará os olhos,
os abrirá de encontro a minha voz,
abraço de almas.
Pássaros atravessam as janelas que não existem.
Teu beijo sobre as paredes finas de sonhos,
 vestígios de vidros se beijam sobre o chão de chuva.
Abro-me nas mãos do Tempo e, enfim, te vejo, nítido.
Vento ao teu lado, emoldurados nos olhos de Deus.
A pressa dos passos passam, eu calma nos teus braços, águo.