mercredi 27 mai 2015

Teus olhos

Teus olhos...



O segredo do Azul



Era uma vez uma praia comprida de talvez e de azuis que, às vezes, nos molhavam. Era noite e meu pai seguia obstinado por esse caminho de vento e areia, dizia que o mar algo lhe dizia. Eu mesma nada ouvia, mas os seguia. Meu pai e o mar  pareciam caminhar em uma certeza, enquanto eu ia pendurada de dúvidas. E se a fúria do mar nos levasse para dentro de suas vontades?  E se as moiras nos fiassem em suas tramas com os fios de areia daquela praia? E se fôssemos o sonho de uma outra pessoa?  Mas meu pai seguia, seguia, seguia apaixonado pelos caminhos ditados pelo azul, até que surgiram quatro pequenas pegadas na areia. Estatuei de medo, as pegadas estatuaram também. "Pai, estamos sendo seguidos!", cochichei  para seus olhos. E, do invisível,  risos surgiram. "Deve ser outra conversa do mar", riu  meu pai também, não me levando a sério e prosseguimos seguidos pelas  risadas e as estranhas pegadas sem corpo que, aos poucos, para nos tirar do sufoco, se revelaram em quatro crianças, desenhadas pelos fios de Vento. Elas iam para onde íamos, catavando conchas na areia, se converlando em  tatuís, marias-farinhas ou pulgas e, às vezes, se balançando penduradas nos braços do meu pai. Assim, elas nos seguiram, enfeitando nosso noturno destino até a primeira curva da praia. Ali, eu sabia: haveria a travessia. Estatuei e olhei para trás, as quatro crianças estatuaram de também, enquanto meu pai fixava o olhar nos pássaros que migravam no horizonte. Ergui meus braços e fiz um gesto com as mãos, elas tentaram imitar, acharam graça; mas eu estava séria e certa do que faria. Proferi o segredo e soprei. A magia misturou o vento, a noite e a areia... e as quatro crianças, uma ao lado da outra, deitaram na praia, imóveis entre as nossas pegadas, os olhos abertos para o teto do mundo que se descascava. Mais uma vez, ergui as mãos, o mesmo gesto e sopro que misturava o vento, a noite e a areia... e as quatro crianças, uma ao lado da outra, adormeceram no pra sempre. Havia um silêncio a pulsar entre nós e o mundo. Atordoados, seguimos não mais tão certos como no início. O mar também se calou. Uma montanha brotou no caminho a contornar o final da praia, como  um alto muro. As ondas  mais selvagens batiam nas pedras... e eu as queria! Queria ser selvagem como aquelas ondas! Senti-las entre minhas pernas, meus cabelos! Mas não podia ser errante com aquele mar e  escolher o abandono das pessoas que amo.  Apertei forte minhas mãos às mãos do meu pai e o puxei a escalar a montanha. Ao alto,ainda era noite, quando encontramos uma rocha oca e a cavamos, material que facilmente se rompia. Parecia coisa feita de  borracha ou isopor de musgo, justo rocha que era coisa feita para ser bruta. Arrancamos  alguns pedaços, levados pelos pássaros antes de caírem ao mar. Uma luz surgiu para o outro lado. "Uma passagem!", gritei. A passagem me espiou enquanto eu a espiava. Ela via meus olhos lilases e meus fios cacheados ruivos refletindo suas estantes cheias de livros antigos. "Uma livraria dentro da terra!", outro grito. Eu era toda livraria. "Chegamos onde eu queria!", meu pai disse e me empurrou para dentro da passagem, junto com ele. Naquele momento, não sei porque, achei que vi Alice, o Gato e a Rainha de Copas voando com a gente dentro do buraco para dentro da biblioteca. Caímos do rombo no teto, derrubando as prateleiras e várias histórias para fora dos livros. "É, somos um pouco pesados, eu acho.", pensei. Por um instante, achei que o caminho da biblioteca ficava na queda dentro de uma história, dentro de um livro. E ri sozinha, meu pai também riu. "Seria do mesmo motivo?". Chacoalhei  as ideias como se fosse nuvem que se desfaz. Pela primeira vez, notei o atendente da biblioteca em pé na nossa frente com uma seriedade pendurada no rosto. Olhei ao redor, meu pai ao meu lado, o buraco no teto e a gente sentado  no meio da bagunça. Subitamente, nos colocamos de pé, sacudimos o mar, o vento e o musgo do nosso corpo e oferecemos um sorriso meio torto para o mau humor do sério senhor ... Foi quando algo se quebrou para o bem naquele estranho espaço. De repente, aqueles fiapos sacudidos de mar, vento e musgo sopraram incessantemente naquele local, recontando uma bizarra melodia que engoliu seu abandono. Uns fios de sol invadiram o rasgo do teto da biblioteca, a enternecendo de amarelo. "O feitiço se desfez!", disse o atendente que, finalmente, sorriu. " Há milênios esta biblioteca foi escondida dentro de um livro dentro da rocha desta praia, encantada por  um cego rei. Eu fui trancado aqui, dentro do seu abandono, por ter lutado contra o feitiço do tirano. Apenas o mar sabia deste segredo. Não esperava mais que alguém pudesse seguir os caminhos ditados pelo azul e destecer nosso destino noturno, até hoje...", disse o senhor chorando.  Do rasgo no teto, janelas se abriram; da parede, portas surgiram; dentro dos livros, as quatro crianças riram; ao redor, pontes entre a biblioteca e a memória das pessoas emergiram. Agora, no meio do mundo, a biblioteca pulsa e as palavras ainda sonham como sempre.


(Palavras e iluminura: Juliana Gelmini -  sonho do dia 26 de maio de 2015)

jeudi 7 mai 2015

olhos de ressaca

Frustração é tipo ressaca
da Ilusão
- meio vinho,
meio sino que
enforca
nó(s)
da Vontade.

vendredi 1 mai 2015

Um encontro...

Ontem, na Escola de Belas Artes da UFRJ!

Esse barquinho de papel amarelo me comoveu.




"Todo abismo é navegável a barquinhos de papel."
(Guimarães Rosa)