lundi 28 septembre 2015

Outra vez

A festa acabou. Espio tuas frestas no salão fantasmagórico. Uma bola de plástico colorido balança ao vento e estoura, pá! Pulo de dentro de mim e caio espalhada pelo chão vazio da festa, entre guardanapos sujos e pedaços de ilusões. Fico um tempo olhando para o lustre caleidoscópio de brilhos prateados, faço de conta que o lustre é lua. Depois, tombo os pensamentos para teu silêncio. Por quê? Por quê? Por quê? A festa acabou. Chegamos tarde, amor. Eu, enfeitada de flor, perfumada de espera, com um salto sem equilíbrio, com o coração convidado para o beijo teu, fico olhando as luzes refletidas no lustre, holofote da minha dor. Um brilho cai feito faca sobre meus olhos, parece barulho de porta que se fecha. Outro brilho cai feito arpão sobre meu peito, "da última vez que morri...", era esse o poema?, penso e uma lágrima seca. Um vento mais forte cobre o salão de marfim, o vazio parece feito de elefantes enormes e pesados a atravessar meu corpo e pensamentos. Eles riem "Como você pôde acreditar outra vez?", diz o elefante pisando sobre tuas mãos em meus cabelos. Eu,seca e partida, respiro aflita entre os elefantes, deitada no salão de festas vazio. De repente, pá! Outra bola estoura, mais parece tiro! "Dessa vez, precisa ser fatal", pensei. Mas não era, teu nome ainda estava em minha pele, um pouco esmaecido. Havia entornado café, chá, vinho, mas teu nome na minha boca vermelha vermelha ainda. Não um  ainda de às vezes entre véus, mas um ainda de mais vezes entre céus. De repente, a música rompe no salão, penso em me levantar, mas antes os elefantes a dançar, a dançar, a dançar sobre meu corpo aberto.

samedi 26 septembre 2015

Relógio

De que nos serviria
um relógio?

Se deito em tua perna:
é dia.

Deito no silêncio:
é noite.

Se beija meus olhos e sorri:
é dia.

Se fechas os olhos para o mundo:
é noite.

Se faz cosquinha em meus segredos, secando todos ao sol:
é dia.

Se amarra as vontades aos pés dos medos:
é noite.

Quando encontramos um ipê amarelo ou um bolo de chocolate sem glúten:
é dia.

Quando não encontramos:
é noite.

Se te mordo igual passarinha ou sinto sua boca encostando na minha:
é dia.

Se a mordida de lobo é maior e mais doída:
 é noite.

Se invento um faz de conta com bolas de gás coloridas por dentro dos sonhos com conversas longas sobre o mundo, madrugada a dentro:
é dia.

Se você não sonha:
é noite.

Boina vermelha, tua barba, tuas mãos tocam meus seios:
dia.

café gelado, telefone sem bateria, teus olhos com raiva, tua faca sobre o peito:
noite.

Se pelo corpo acho teu beijo, tuas mãos, teu nome:
dia.

Se encontro teu rasgo:
noite.

Se abotoas meu casaco de velhinha em ruelas que levam à Cidade Nova:
dia.

Se o frio venta os sonhos:
noite.

Se enfeita a janela que se abre em minha barriga de borboletas azuis:
dia.

Se as borboletas secam:
noite.

Se entorna e bebe minha água sobre teus desejos:
dia.

Se encolhe as vontades em banalidades:
noite.

Se me acorda com beijo nos olhos:
dia.

Se teu silêncio pesa em minhas pálpebras:
noite.





Mãos dadas, hall do prédio verde, velhinha que conta histórias do seu tempo:
dia.

besouros que rondam, nossa história em branco:
noite.

Quando uma nuvem toca o som do teatro mágico e daquela banda antiga:
dia.

Quando a música é angustia:
noite.

Se ligas numa hora de pijamas e livros:
dia.

Se puxa o alarme da dúvida:
noite.

Se teus olhos anunciam infindos e mistérios por onde me perco:
dia.

Se me lançam ao precipício:
noite.

Se um vaga-lume que sonha em ser artista desenha um poema no céu movendo pequenas lâmpadas e estrelas:
dia.

Se as panteras nos rodeiam na escuridão:
noite.

Se um ipê amarelo guarda iluminado o nosso beijo:
dia.

Se uma infiltração abre entre nossos dedos:
noite.

Se você me espera na porta das palavras num sábado quente:
dia.

Se as heras cobrem a espera:
noite.

De que nos serviria
um relógio?






(Poema inspirado  no poema relógio, de Ana Martins Marques no livro Da arte das armadilhas)





mardi 8 septembre 2015

Limerência



Não consigo levar a vida leve
do protocolo social: boates, ficadas, encontros casuais...
Quero raízes, afunda minhas mãos na certeza das suas!
Quero histórias enfeitadas de palavras trocadas, cartas,
Olhar com montanha, balanço e vento por dentro?
 Por que me sinto assim molhada de sonhos?
brilhando de azul, azul, da rosa azul?
Fios espalhados entre dedos que ainda não existem.

Você ainda pode me ouvir?
Por que mudou a música?
Me balanço no balanço dentro dos teus olhos,
daqui, parece que ouço um trem,
 ele vem, vem, vem, cada vez mais forte
 passar por cima do meu corpo nu, entregue...
Eu sei, nada sobrará.

Caminho na ponte de dentro dos teus olhos,
 vendada,
 não sei quais os caminhos percorro,
 ouço tua voz com trechos de uma história de lobo,
a espera e seu cheiro de pipoca em dia chuvoso,
 algum botão meu fica mais forte,
 mas o desabrocho  com palavras retas,
quando minha alma gira secretamente em espiral,
repleta de pequenas borboletas azuis
com  palavras nas pontas das asas...
voo