samedi 29 septembre 2018

Vídeopoema

Dentro da casa que vive no sonho...



Trecho do meu livro de estreia, Insólito Sólido, publicado pela Editora Patuá, 2017.



A história do aquário




Há algum tempo tenho notado
neste aquário
cartilagens de tubarão
demoro muito para reconhecer
Faz de conta que é mar
e o oxigênio não falta,
mas a pintura descascada do coral
mente
Lembro dos cavalos-marinhos
o macho-grávido
o nascer transparente das manadas levadas
pelas correntes
minhas brânquias brancas incham de ar

Há algum tempo tenho notado
neste aquário
ossos de baleia,
dentro dela, Pinóquio em ócio finge
olhos de madeira
mas faz de conta que é mar
e o oxigênio não falta,
mas há mais de um ano
um casco boia, a tartaruga morta,
e o cheiro o cheiro o cheiro
repete dia a dia
como um pedido de alerta
nado pouco.

sem escamas
os cardumes de plástico
em nado sincronizado fingem:
o aquário é mar

hoje, vieram me buscar
cardumes prateados
pela edição filmada
do escafandrista das bolhas de ar.

O escafandrista esquece também as bolhas
um dia antes de alguma coisa
não consigo me lembrar

Respiro pouco,
as brânquias secam,
tento de novo,
faz de conta que é mar
e, dessa vez, sem respirar,
acredito:
mar.




(palavras e aquarela, jan. 2018)









Mar vermelho

O peixe impensado, fugidio, esquivo, de olhar esbugalhado que não quero encarar. Olho-o, enfim, atentamente, em meio à noite do mar. Ele, agora imóvel. Eu, em fragmentos vários, saltantes, espelhos em pedaços. O peixe iluminado visto pelo vidro lascado me escapa mais, é apenas um lastro. O choro é inútil no mar. E o peixe, e o peixe e o peixe volta à mente, o peixe entre meus olhos, escamas em minha pele, exalo a mar... mas um mar escuro, escuro, escuro e em febre. Mar-lava. Só existe meu peixe. Nado pouco, respiro pouco. É um estar em morte amar.  Invento um peixe precioso. E algo se aproxima, de súbito, do meu corpo, no fundo do mar. Giros, as escamas rondam. Penso em meu peixe. "É você?". E o mar se agita. Surge, então, uma cauda imensa. E me deixo atravessar. Ela rápida me afunda, afunda, afunda... rumo à região abissal. A ronda continua durante dias, incansável. Mas, de repente, meu cheiro de amor o enjoa, o bicho se torna feroz. Me lanha, fere, sangra. O mar se faz lento, lento, lento e pesado. Pelo escuro embaçado, penso, às vezes, ver meu peixe prateado, mas meus olhos logo aprendem a no escuro enxergar. E seu contorno estranho se refaz. Ao meu redor, um monstro do mar a tombar, a tombar, a tombar sob meu corpo de areia. Mar vermelho.


(27 de set.)